Estou relendo alguns posts do meu antigo blog (Etenraku) e me deparei com esse post que gostei bastante de ter escrito. Como dizem meus senseis, entender a cultura japonesa como um todo ajuda a gente entender muito da música. E nesse post quero falar sobre os sete deuses da sorte, que inclusive, fazem parte de algumas letras de alguns minyos bem famosos como o Akita Daikoku Mai 『
秋田大黒舞』.
Os Shichi Fukujin『七福神』, mais conhecidos como os deuses da Sorte, Felicidade e da Fortuna são figuras da mitologia japonesa e são muito encontrados na forma de estátuas e até chaveiros para a proteção da pessoa e da casa. Esta crença começou aproximadamente há 500 anos, com a economia do Japão em crise devido a inúmeras guerras da era Muromachi (1392-1573) e na esperança de ganhos momentâneos que atenuassem os tempos difíceis.
Praticamente desconhecida do público ocidental, a lenda originou-se em Kyoto, através da adoração das figuras de altos oficiais, que representavam as religiões (budismo, xintoísmo e taoísmo) para os quais as pessoas passaram a rezar por colheitas abundantes e prosperidade do país.
Durante este período, os negócios comerciais passaram a tomar forma e as pessoas a desenvolver um senso de individualismo e busca por benefícios próprios. Quando a cultura popular começou a florescer - período Edo (1600-1867), os Sete Deuses da Felicidade, tornaram-se bastante cultuados. Deu-se o início à peregrinação "shichi fukun jin" de visita aos templos e santuários associados aos deuses com o intuito de pedir o bem-estar da família e o sucesso nos negócios.
Comumente representados no topo de uma “takarabune” (barca do tesouro), tornou-se popular a crença de que dormir com esta imagem, atrai a boa fortuna nos negócios e o bem- estar.
O significado do número 7
Os japoneses consideram o 7 um algarismo repleto de mistérios, da mesma forma que no Ocidente, onde temos os sete pecados capitais e as sete maravilhas do mundo. No budismo japonês, há a crença de que a alma precisa reencarnar sete vezes até alcançar a iluminação, e que sete semanas de lamentação devem ser seguidas depois de um falecimento.
Há também o costume de comer no dia 7 de janeiro o mingau de arroz temperado com nanakusa, as sete ervas da primavera. Arranjos com as sete flores do outono homenageiam a entrada dessa estação. No idioma japonês arcaico, o ideograma que representava a felicidade era formado por três números 7. Então vamos para os sete deuses da sorte!
1. Ebisu (恵比須): Deus dos pescadores
É o deus da sinceridade, honestidade e trabalho, e ao contrário dos outros deuses que tiveram origem em outros países como a China e Índia, é um Deus originário 100% do Japão. Diz-se que quando humano ainda, tinha o nome de Hiruko e foi o primeiro filho do casal Izanagi e Izanami e nasceu com uma deformidade que não permitia que nascessem ossos no seu corpo (em algumas histórias, nasceu sem os membros). Devido ao grande sofrimento seu e da família, foi lançado ao mar em uma barca antes de completar 3 anos e acabou parando em Ezochi (antigo nome de Hokkaido e faz parte da letra do minyo Esashi Oiwake), onde foi encontrado e cuidado por um Ainu chamado Ebisu Saburo. Então a fraca criança ficou forte e seu corpo se regenerou por completo, virando o Deus Ebisu.
Ele é o protetor dos pescadores, navegantes e comerciantes. Geralmente é representado na figura do pescador, pois sempre está com a cumbuca e uma vara de pescar. Dizem que Ebisu não dá o peixe, mas ensina pescar. Ter sua figura em casa ou no estabelecimento comercial garante sucesso nos negócios.
2. Daikokuten (大黒天): Deus da Fortuna
Daikoku é considerado uma divindade familiar no Japão, sendo o deus protetor da terra, agricultura e comércio, trazendo prosperidade e fartura. É um dos deuses mais alegres pois está sempre sorrindo. Fisicamente, é representado como um homem que traz prosperidade, riqueza, fartura e da produção, sendo patrono dos fazendeiros. É muito popular entre os agricultores japoneses, pois protege as colheitas.
Aparece em pé, sobre sacos de arroz e traz na em uma mão um martelo de madeira (a cada batida faz surgir moedas de ouro) - simbolicamente a martelada representa trabalho e um saco mágico de onde tira dinheiro. A imagem de Daikoku tanto em forma de estatueta ou pintura, garante progresso profissional e enriquecimento ligado ao trabalho.
Sua imagem é comumente representada com a presença de um rato, que tem um significado emblemático e moral conectado com a riqueza escondida na sacola que carrega.
3. Bishamonten (毘沙門天): Deus dos guerreiros
Este deus é considerado um dos quatro guardiões do budismo e por isso usa trajes de guerra e segura uma lança em sua mão, às vezes com uma roda do fogo (halo). Dentro suas várias designações, é conhecido como Deus da Guerra (assim como Hachiman) e punidor dos mal-feitores.
Além disso, é conhecido também como Tamonten (多聞天), que quer dizer literalmente "ouvinte de vários ensinamentos", pois existem várias de suas estátuas na entrada de templos. Por esse mesmo motivo, é um Deus que "distribui riqueza", mas não riqueza material, e sim os ensinamentos de Buda, sendo o promotor dos missionários da palavra de Buda. Ter a figura desse deus em casa, afugenta ladrões e preserva os bens das família.
4. Fukurokuju (福禄寿): Deus da fortuna
Seus ideogramas significam fortuna (fuku), riqueza (roku) e vida longa (ju), que são suas características. Diz a lenda que esse deus foi um sábio eremita chinês e estudioso da alquimia chinesa e dos segredos da imortalidade durante da Dinastia Song, e a reincarnação do Deus Taoista Xuanwu.
Fisicamente, o Deus possui uma enorme barba branca, normalmente acompanhado de um veado negro (acredita-se que ele vive mais de 2000 anos, sendo um símbolo de longevidade) ou às vezes por uma tartaruga ou tsuru. Dizem que a pintura ou a escultura de Fukurokuju trás longevidade, saúde e muita inteligência, não sendo a toa que é o Deus protetor dos jogadores de xadrez e cientistas.
5. Benzaiten (弁才天): Deusa da arte
Benzaiten é o nome japonês para a deusa Hindu Saraswati, que chegou ao Japão por meio de caravanas chinesas durante o século VIII. É a única mulher do grupo e simboliza a amabilidade e protege as artes e a beleza feminina. Como na cultura hindu ela é considerada a deusa da água, é sempre associada à tudo que flui, como a água, a palavra, a música e o conhecimento. Geralmente os templos em sua homenagem ficam próximos ao mar.
Na religião Hindu, há uma passagem que Benzaiten mata 3 cobras, e por isso aparece associada à cobras e dragões no Japão. É representa por uma mulher jovem com um biwa (instrumento musical de cordas japonês) ou cavalgando sobre dragão marinho. Nos contos épicos japoneses muitos samurais lendários, deparam com a deusa em momentos difíceis e dela recebem orientações. Possuir uma pintura ou estatueta desse deus garante saúde, beleza e desenvolve talentos artísticos.
6. Jurojin (寿老人): Deus da longevidade
Também conhecido no Japão como Gama, o sétimo e último deus é considerado o Deus da Sabedoria. É muito associado com o Deus Fukurokuju já descrito neste post e é representado por uma longa barba branca e trás na mão um cetro (saku) sagrado ou um bastão onde está pendurado um pergaminho contento o tempo de vida de todos os seres vivos. Muitas vezes é representado juntamente com animais como o Tsuru, Tartaruga ou Veado, representando a longevidade, como Fukurokuju, sendo considerado um deus da Ecologia.
Por vezes, é representado junto a um pote de sake, e só permite que a morte se aproxime quando a pessoa está preparada para evoluir espiritualmente. Dizem que apreciar uma figura de Jurojin diariamente trás sabedoria e longa vida.
7. Hotei (布袋): Deus da benevolência
É o senhor da magnanimidade, da generosidade humana. Vive rindo, sempre de bom humor, e por isso mesmo, traz saúde e felicidade, pois está sempre satisfeito com o que tem. Geralmente é representado com uma enorme barriga e roupa caindo pelos ombros. Consigo trás consigo suas poucas posses, ou seja, é um Deus materialmente muito pobre, entretanto, é muito feliz! Dizem que Hotei tem recurso interior para todos que queiram atingir a serenidade completa e sabedoria búdica. Seu abdômen avantajado não simboliza a gula, pelo contrário, é símbolo da satisfação.
De acordo com registros, Hotei foi um monge chinês que viveu durante a Dinastia Liang. No folclore da China, ele acabou sendo associado a Maitreya (o futuro buda). Para os japoneses, o "hara" (ventre) representa o coração e personalidade, portanto seu vasto "hara", representa grandiosidade de espírito. No Ocidente ele é muitas vezes erroneamente visto como uma representação do Buda Siddhartha Gautama. Segundo a crença popular, apreciar uma pintura ou ter uma estatueta de Hotei espanta as preocupações.
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