O som do kokyu se parece com uma manhã de névoa, chuvoso e garoando. Um som charmoso mas também melancólico que me faz sentir um tempo que ficou para trás (para quem está assistindo a série Xogum, vai sentir essa atmosfera).
No Japão, o instrumento apareceu no início do período Edo há mais ou menos 400 anos, mas diferentemente do shamisen e do koto, o kokyu não teve o status de instrumento solo e desapareceu. Nessa época, existia o sankyoku (literalmente "música de três") no estilo de música clássica chamado de Jiuta, onde se tocavam o shamisen, kokyu e koto. Entretanto, com a entrada e popularização do shakuhachi no Japão, durante o período Meiji pouco a pouco o violino japonês foi sendo esquecido e deixado de lado.
Com o passar do tempo, algumas peças de kokyu se mantiveram em repertórios do teatro Kabuki e Bunraku (teatro de marionetes), mas é muito pouco comum. Atualmente, são poucos os artistas que mantém vivo essa tradição.
O instrumento
O kokyu é um instrumento de cordas que tem o formato muito parecido com o shamisen: três cordas, braço fino e uma caixa de ressonância coberta com couro. Entretanto, a diferença começa a parar por aí. O instrumento é tocado com um arco de crina de cavalo e assim como em diversos países, é tocado em pé, diferente do violino ocidental que estamos acostumados (nas fotos abaixo temos os violinos da Mongólia, Okinawa, Turquia e China).
O comprimento total do instrumento é de aproximadamente 70 centímetros e assim como o shamisen, pode ser construído por diferentes tipos de madeira, sendo a mais adequada o kuroki (madeira negra densa e pesada). Existem também versões de 4 cordas para o kokyu e um kokyu maior chamado de daikokyu (fiz um post só dele que complementa bastante esse post).
O arco é feito de crina de cavalo e pode variar bastante de tamanho, sendo o arco de 100 centímetros o mais utilizado. Diferente do violino chinês, que usa cordas de aço, kokyu utiliza cordas de seda, dando um som mais profundo e melancólico.
Minha relação com o instrumento
A primeira vez que ouvi o instrumento foi na vinda de Utanoichi sensei ao Brasil, no qual tocou o dai-kokyu em uma apresentação da escola no Centro Cultural de São Paulo. Mas sempre me ficou a impressão de um instrumento meio desengonçado, por ter que ficar tendo que girar ele para tocar, com um som meio agudo demais. Sempre comparava mentalmente com o erhu (violino chinês) que tem um som super lindo.
Foto dos meus kokyus: à direita o dai-kokyu (Fujin) e à esquerda, o kokyu normal (Raijin) - sim, dou nome aos meus instrumentos
Mas depois de muito tempo, saiu no NHK (televisão estatal japonesa) uns videos chamados NHK Blends, no qual instrumentos japoneses tocavam música moderna com instrumento ocidentais (primeiro vídeo acima) e me surpreendi. Vi que o kokyu poderia mesmo ter um som bonito e inclusive tocado com vários instrumentos e me interessei bastante! Comprei um dai-kokyu em uma das idas ao Japão e durante a pandemia fiz algumas aulas com Utanoichi sensei.
Admirado pelos vídeos gravados pelo sensei Kiba, nessa última viagem ao Japão fui ao seu concerto e me impressionei! O homem toca bem demais! E que som saia do seu kokyu! Conversamos ao fim da apresentação e não pensei duas vezes. Na mesma semana fui visitar seu estúdio e fizemos uma aulinha! Espero nesse ano ainda fazer uma apresentação com esse belíssimo instrumento!
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